O papel do profissional do marketing político na era da informação líquida
Vivemos a era da superinformação. Uma avalanche contínua de dados, vídeos, comentários, análises e memes invade nossas telas todos os dias, todos os minutos. Em um contexto onde o conteúdo viral de hoje torna-se obsoleto amanhã, o profissional do marketing político se vê diante de um paradoxo: como comunicar com impacto em um ambiente onde tudo já foi dito, onde a próxima notícia pode anular a anterior, e onde o silêncio é quase impossível?
A resposta está na criatividade. Mas não qualquer criatividade. Não basta repetir fórmulas prontas, seguir o script post viral ou automatizar slogans com inteligência artificial. O novo marketing político exige um olhar estratégico, humano e profundamente criativo, capaz de encontrar singularidade em meio ao caos da informação.
Em sua teoria da modernidade líquida, Zygmunt Bauman descreve um tempo em que tudo é volátil, efêmero e instável, desde relações, valores, identidades e até instituições. Esse conceito se encaixa perfeitamente no cenário atual do marketing político: vivemos uma era em que a informação se dissolve quase instantaneamente, onde o conteúdo viral de hoje se torna ruído amanhã, e onde a atenção do público escorre pelos dedos como água. Nesse contexto líquido, o marketing político que se ancora apenas em fórmulas e ferramentas repetidas corre o risco de se diluir na mesmice.
E se antes o desafio era alcançar o eleitor, hoje é mantê-lo por alguns segundos. A atenção tornou-se o recurso mais escasso da contemporaneidade. Vídeos precisam capturar o olhar nos três primeiros segundos. Textos devem informar e emocionar em menos de 280 caracteres.
Nesse cenário, o profissional de marketing político precisa abandonar a ilusão de que bastam ferramentas para ser relevante. As ferramentas são infinitas: inteligência artificial, CRMs, análise de dados, impulsionamento, automação de mensagens. Mas sem uma direção criativa, sem um propósito claro, transformam-se em armas disparadas sem alvo.
Ferramentas são fundamentais, mas seu valor está no uso que delas se faz. A Inteligência Artificial, por exemplo, pode escrever discursos, criar imagens, sugerir tendências, mas não substitui a sensibilidade de captar o sentimento da população, os códigos culturais de uma sociedade, e o tempo certo de se fazer cada coisa.
Criatividade, aqui, não é apenas inventar algo novo. É, antes, conectar dados a contextos. É reconhecer que uma mesma informação pode ser contada de formas diferentes, dependendo do momento, do público e do canal. É saber quando surfar um hype e quando silenciar. É usar a inteligência artificial para acelerar a produção, mas sem deixar que ela atropele o conteúdo.
Se todos usam os mesmos templates, as mesmas trends, as mesmas músicas, as mesmas estratégias de engajamento, o conteúdo torna-se irrelevante pela própria repetição. A tendência de homogeneização é um dos maiores perigos do marketing digital.
O papel da criatividade, nesse sentido, é o de reumanizar a comunicação política. Fazer com que cada campanha tenha sua cara, sua voz, seu tom. Ir além do que é viral para ser inesquecível. E isso só se faz com leitura de mundo, com repertório cultural, com empatia e ousadia.
O marketing político do futuro, e já do presente, exige profissionais híbridos: criadores de conteúdo, estrategistas de engajamento, analistas de dados, roteiristas, jornalistas, diretores de arte e, sobretudo, curadores da mensagem. Gente que saiba fazer perguntas antes de apertar o botão de publicar. Que entenda que nem tudo que engaja educa, e nem tudo que viraliza constrói.
Essa nova geração precisa entender as ferramentas, sim, mas não como um fim em si. Deve usá-las para ampliar sua voz, não para terceirizá-la. Deve automatizar tarefas operacionais para ter mais tempo de pensar estrategicamente. Deve entender que a criatividade começa antes da produção: começa na escuta atenta da sociedade.
O Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, por exemplo, aproveitou a breve polêmica envolvendo a nova camisa vermelha da seleção brasileira para fazer um link direto com o programa Mais Médicos. Em vez de cair no debate ideológico superficial, usou o momento para reafirmar uma política pública concreta e em execução. Essa estratégia demonstra sensibilidade temporal: compreender que temas virais são passageiros, mas podem ser janelas de atenção poderosas para pautas estruturantes. Ao associar um fato momentâneo com uma ação de governo, o ministro transformou ruído em reputação.
Já o prefeito de Florianópolis, Topázio Neto, deu um exemplo sofisticado de criatividade política ao utilizar a trend dos bebês reborn, que originalmente foi uma polêmica caricata, para falar sobre adoção de animais. Enquanto a maioria se limitou a reagir ou debochar do absurdo, Topázio optou por surpreender: usou o tema apenas como isca, direcionando a atenção para uma causa real. Essa escolha revela um domínio sobre os códigos das redes sociais: saber que o viral não é o fim, mas o meio. Criatividade, aqui, é justamente romper com o óbvio.
Um último exemplo: a vereadora Aava Santiago, de Goiania, demonstrou como a efemeridade de um assunto não impede uma abordagem profunda. Em vez de se ater às críticas rasas à influenciadora Virginia ou aos senadores, Aava escolheu um caminho mais denso: questionou os impactos reais do vício em apostas na vida de pessoas comuns, inclusive com perdas humanas. Ela aproveitou um tema quente para elevar o nível do debate e se posicionar com autenticidade. É nesse gesto que mora a verdadeira criatividade política: transformar um tema momentâneo em reflexão duradoura.
O desafio é grande, mas como Alexandre Padilha, Topázio Neto e Aava Santiago, é possível comunicar com relevância em um ambiente saturado, veloz e volátil. E esta é também uma oportunidade histórica. Nunca houve tanta possibilidade de acesso ao público. Nunca foi tão fácil medir, ajustar, testar e refinar. O que falta não é ferramenta, mas coragem para ser diferente.
A criatividade, portanto, é a nova competência essencial do marketing político. E não qualquer criatividade: mas aquela enraizada na realidade, guiada por estratégia e alimentada por tecnologia. Em tempos líquidos, ela é a âncora que pode dar sentido, presença e propósito à comunicação política.
Porque no fim das contas, o eleitor continua buscando algo que nem o algoritmo nem o viral conseguem entregar: autenticidade.