“Julgar não é um teatro, a decisão precisa ser sólida, técnica e justa”
Marcio Vicari, advogado e candidato ao Quinto Constitucional
Há alguns meses, o advogado Dr. Márcio Vicari deixou a função de procurador-geral para se dedicar à disputa do Quinto Constitucional da OAB, para a vaga de desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
A Coluna conversou com o advogado sobre o processo para o Quinto Constitucional e sua experiência profissional. Confira:
Pelo Estado: Esta eleição tem sido chamada de “Super Quinto” pelo nível dos candidatos. O que há de diferente neste processo em relação aos anteriores?
Márcio Vicari: O quinto constitucional foi pensado para que a advocacia também tivesse voz no Tribunal de Justiça. Os membros do Judiciário não são escolhidos pelo voto popular e a Constituição deu à classe dos advogados essa atribuição de representar a sociedade dentro do tribunal. Isso é muito importante de se ressaltar.
Sobre esta eleição, apesar de alguns chamarem-na de “Super Quinto”, creio que ela não destoa muito das anteriores. Todos os desembargadores que chegaram pelo quinto em Santa Catarina têm carreiras respeitáveis. O que acontece agora é que, talvez pela conjuntura e também pelo momento de debate sobre o Judiciário no Brasil, a disputa ganhou uma dimensão destacada. Olhando para o grupo de candidatos, vejo profissionais preparados, colegas com trajetórias sérias. Isso só valoriza o processo.
Pelo Estado: E por que o senhor decidiu se candidatar justamente nessa oportunidade?
Márcio Vicari: Foi uma decisão recente. Durante muito tempo eu não me via como magistrado. Sempre gostei de advogar, de ensinar, de viver a advocacia no seu sentido mais completo. Mas, depois de mais de 30 anos de atividade, passei a perceber que poderia representar bem o perfil de desembargador para o qual o sistema de quinto foi pensado, alguém que chega ao tribunal trazendo a vivência longa da advocacia e múltipla de atividades correlatas.
Nos últimos anos, tenho atuado preponderantemente em processos já em grau recursal, lidando com o Tribunal de Justiça e tribunais superiores, em causas complexas. Essa experiência, somada ao tempo que dediquei à OAB, ao TRE-SC, ao magistério superior e ao período como Procurador-Geral do Estado, me fazem acreditar que posso contribuir de forma diferenciada. Acho que essa diversidade de vivências, do advogado de escritório ao gestor público, do professor ao juiz eleitoral, é o que me faz preparado para esse desafio.
Pelo Estado: Existe alguma influência familiar nessa escolha de se candidatar, considerando o histórico do pai?
Márcio Vicari: Meu pai foi advogado por mais de dez anos para só depois fazer concurso para juiz, carreira em que, por mérito, chegou ao Tribunal de Justiça. É claro que isso me influenciou no amor ao Direito, mas sempre fiz questão de seguir uma carreira independente. Nunca houve qualquer influência da atividade dele na obtenção das minhas conquistas profissionais. É justamente este o exemplo que ele me deixou: de não buscar atalhos, mas de entregar dedicação e seriedade sempre. Essa provavelmente é a maior herança que eu poderia receber: entender que uma carreira sólida se constrói com tempo, trabalho e reputação.
Pelo Estado: O senhor já disse que foi juiz do TRE-SC e também chefiou a Procuradoria-Geral do Estado. São funções muito distintas. O que cada uma dessas experiências acrescentou à sua visão sobre Justiça e advocacia?
Márcio Vicari: Foram experiências muito marcantes. No TRE, como juiz na vaga de advogado, vivi o dia a dia da Justiça Eleitoral. É um ambiente em que cada decisão pesa na democracia. Ali aprendi muito sobre responsabilidade e imparcialidade, numa função que exige uma visão diferente da do advogado.
Já na Procuradoria-Geral do Estado, foi outra realidade. Liderar quase 300 profissionais da advocacia é ter a dimensão do que significa defender o maior cliente de todos, que é Santa Catarina. Eu fui chefe de um dos maiores escritórios de advocacia do Estado. Foi uma grande honra receber a confiança do governador Jorginho Mello e de compor seu Colegiado por dois anos e sete meses, desde o primeiro dia de mandato, conhecendo por dentro o funcionamento da máquina pública e os impactos concretos da advocacia no interesse coletivo.
Pelo Estado: Sua atuação na OAB/SC também foi extensa, ocupando diferentes cargos. O que esse envolvimento te agrega para disputar essa posição de desembargador?
Márcio Vicari: A OAB me deu a chance de conhecer diferentes realidades da advocacia. Foram mais de 15 anos em funções variadas, de Comissões e da ESA, à vice-presidência da Seccional. Isso me colocou em contato com advogados de todo o Estado, dos mais jovens aos mais experientes, das grandes cidades às subseções menores. Por isso eu considero essa trajetória fundamental. É muito improvável que alguém que passou tanto tempo servindo à classe, sempre dentro da mesma linha ética e de comportamento, vá mudar de postura. Ao contrário, eu sempre levo esses valores comigo. Se eu eventualmente chegar ao tribunal, será como representante efetivo da advocacia, com o compromisso de continuar honrando essa condição.
Pelo Estado: Além disso, o senhor foi professor por muitos anos. São tantas experiências diferentes, tem mais alguma que falta?
Márcio Vicari: Comecei a dar aula muito cedo, aos 22 anos. Foi um desafio diferente, mas muito honroso. Formar novos profissionais é algo que sempre me deu orgulho. Inclusive, tenho concorrentes nesta eleição que foram meus alunos na graduação em Direito, o que mostra como o tempo passou e como todos nós amadurecemos dentro da profissão.
Mas respondendo diretamente à pergunta, do ponto de vista pessoal, não sinto que falte nada. Tenho orgulho da carreira que construí, não me faltam realizações ou reconhecimentos. O desejo recente de ser desembargador parte mais do que sei que posso contribuir com a sociedade a partir do tribunal, mas se não acontecesse, isso não faria com que eu me sentisse incompleto. Eu amo o que faço hoje e sigo satisfeito. Por isso eu digo que essa candidatura não é apenas sobre mim; é sobre o que posso entregar à advocacia e ao Judiciário.
Pelo Estado: Caso chegue ao Tribunal de Justiça, que tipo de contribuição o senhor acredita poder oferecer que vá além do papel tradicional de um desembargador?
Márcio Vicari: O TJSC já é um tribunal respeitável, isso eu preciso deixar claro. É motivo de orgulho para Santa Catarina. E o que eu acredito poder agregar é a credibilidade que construí. Credibilidade é feita de ética, de estudo, de coerência… Julgar não é um teatro em que ganha quem conta a melhor história; a decisão precisa ser sólida, técnica e justa. Por isso passei a vida estudando e não foi à toa que lecionei por tanto tempo e acabei focando em casos complexos. Acredito que isso me dá segurança jurídica suficiente para decidir.
Mas, além disso, levo comigo valores éticos e probidade pessoal. Não é o caso do TJSC, mas sabemos que parte das críticas que a Justiça recebe no Brasil vêm justamente da quebra da liturgia do cargo. Eu me vejo como alguém que pode reforçar essa credibilidade que nosso tribunal já possui.
Pelo Estado: Apesar do seu currículo, a sua candidatura tem recebido alguns questionamentos. O que o senhor tem a dizer sobre eles?
Márcio Vicari: Os questionamentos são parte de qualquer processo de seleção, mas no atual processo de escolha ganharam uma dimensão de política partidária, incompativel, a meu sentir, com os procedimentos de advogados. No meu caso, tratam-se de acusações visivelmente sem fundamento. As que não são simplesmente inventadas, já foram analisadas, inclusive judicialmente. Tenho tranquilidade porque minha trajetória é pública, conhecida, sempre na mesma linha ética. Por isso eu digo que confio no discernimento da advocacia, que saberá distinguir o que são narrativas fantasiosas, partindo de quem não tem condições de assumir uma função dessa envergadura por mérito, e o que são os fatos concretos.
Pelo Estado: A advocacia lida diariamente com dilemas éticos e situações de pressão. Quais são, na sua visão, os valores inegociáveis que devem orientar a profissão?
Márcio Vicari: Ser advogado é ser a voz de quem não tem voz, o que exige coragem, equilíbrio e muita responsabilidade. Um grande jurista uruguaio dizia que “a tentação passa na porta do advogado dez vezes ao dia”. Cabe a nós não ceder a essas tentações, algo que eu fiz com bastante tranquilidade em todos esses anos, em todas as funções que exerci. Por isso a ética é a base de uma carreira sólida, algo que para ser construído leva muito tempo.
Além disso, o estudo constante é indispensável. Além da necessidade de sólido conhecimento técnico para solver os problemas jurídicos, há que se considerar a natural evolução do direito, na esteira das mudanças sociais. Quem deixa de estudar não entrega bons produtos jurídicos e fica obsoleto. E há também a credibilidade com clientes, autoridades e colegas. É possível defender posições opostas com firmeza e, ainda assim, manter o respeito mútuo.
Pelo Estado: A advocacia e o Judiciário estão sendo impactados pela tecnologia, pela inteligência artificial e pelas novas demandas sociais. Como o senhor acredita que o sistema de Justiça deve se adaptar?
Márcio Vicari: Vejo a tecnologia como uma aliada importante. Ela pode ajudar a reduzir o tempo de análise dos processos, a dar mais transparência, a tornar a informação acessível com rapidez… Mas a essência da Justiça é humana. A inteligência artificial pode sugerir caminhos? Pode, mas não pode substituir o senso de justiça. Julgar exige olhar humano, ponderação, experiência… É aí que entra o papel do magistrado.
Pelo Estado: Para encerrar: que mensagem gostaria de deixar aos advogados catarinenses que acompanham este processo?
Márcio Vicari: Eu queria dizer que este é um momento de consolidação de mais de 30 anos de trabalho. Chego com maturidade e com muita disposição para contribuir ainda mais com a sociedade catarinense, em geral, e sua advocacia, em particular. É claro que esta avaliação quem deve fazer é a classe, mas penso que tenho condições de avaliar e resolver situações com qualidade e com sabedoria, porque construí uma carreira sem desvios, sempre na mesma linha de conduta. Por isso estou e sempre estarei aberto ao diálogo, para me apresentar aos colegas, com qualidade técnica, transparência e retidão. E independentemente do que aconteça, é assim que eu gostaria de ser lembrado. Como advogado ético; como professor exigente, mas compreensivo; como um profissional estudioso e comprometido… aquilo que sempre fui.
Produção e edição: ADI/SC – Jornalista Celina Sales
com colaboração de Cláudia Carpes
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